CONJUNTURA
"ECONOMIC OUTLOOK AGOSTO 2022 -
TAXA DE INFLAÇÃO NÃO DÁ
TRÉGUAS"
O crescimento económico está a abrandar. Este é uma das principais consequências do conflito armado - Rússia/Ucrânia, onde Portugal também não fica alheio a esta tendência. E a fatura é paga tanto pelos consumidores, como pelas empresas. “Para Portugal e outros países longínquos, os principais impactos da guerra foram reforçar o choque de preços da última fase da pandemia. Isso a que agora se chama ‘inflação’ e a conexa subida das taxas de juro são os sintomas principais. Acabou o período doentio de taxas anormalmente baixas”, diz ao i João César das Neves.
Inflação A taxa de inflação que tem vindo a bater recordes atrás de recordes - de acordo com os últimos dados do Eurostat, a inflação homóloga avançou em julho para os 8,9% na zona euro, face aos 8,6% de junho deste ano e aos 2,2% de julho de 2021, enquanto na União Europeia (UE) atingiu os 9,8% - é vista como um dos principais impactos negativos na economia portuguesa e não só.
Observando um estudo da DECO, “abastecer a despensa ficou mais caro desde que começou a guerra na Ucrânia e, atualmente, as famílias portuguesas podem ter de pagar 209,81 euros por um cabaz de bens alimentares essenciais, um aumento de 14,26%”. E os valores têm vindo a subir. “Um cabaz de bens alimentares essenciais custa esta semana mais 1,48% face ao que custava há apenas uma semana (17 de agosto), e mais 14,26% em comparação com o que custava na véspera da explosão do conflito armado na Ucrânia (23 de fevereiro)”, diz a entidade.
No entender de Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, a inflação é o principal impacto negativo na economia portuguesa. No entanto, admite que poderia ser mais baixa se o Governo tivesse implementado uma política orçamental expansionista alicerçada numa maior redução dos impostos sobre os combustíveis fósseis importados, abdicando de uma parte maior do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), bem como do IVA, nomeadamente aquele que recai sobre os hidrocarbonetos.
E faz as contas: a receita do ISP do Executivo português subiu 84,7 milhões no primeiro semestre deste ano, relativamente ao semestre homólogo de 2021, para 1608,6 milhões. Também entre os mesmos semestres, o IVA aumentou cerca de 25% de 79.20,7 milhões para 10.052,3 milhões de euros.
O economista diz ainda que as crescentes preocupações com o aperto no fornecimento de gás da Rússia e com o aproximar do inverno vão continuar a pressionar a inflação na zona euro e poderão forçar o Banco Central Europeu (BCE) a uma maior contração monetária, baseada numa subida dos juros acima do esperado. “Diante deste cenário, intensifica-se a deterioração das perspetivas económicas na Zona Euro. Neste contexto, acentua-se o agravamento das dificuldades para a economia nacional e para o Executivo português”.
E não hesita: “O combate à inflação, e aos seus vícios, é para o BCE mais importante do que evitar uma recessão. Por isso, esta insistência do banco central será cada vez mais visível, nem que imponha uma recessão mais ou menos cavada. É certo também que uma recessão é deflacionista, aumentando o desemprego, diminuindo o rendimento disponível, abrandando os gastos das famílias e, por fim, aliviando a pressão sobre os preços”.
Energia
A par da inflação também a energia é outros dos rostos dos impactos que estão a afetar todos os países, ao ponto da presidente da Comissão Europeia ter defendido ontem, uma “intervenção de emergência e uma reforma estrutural” no mercado da eletricidade da União Europeia, admitindo “as limitações” da configuração atual, exacerbadas pela crise. “Os preços da eletricidade em alta estão a expor as limitações da atual configuração do nosso mercado de eletricidade, [que] foi desenvolvido para diferentes circunstâncias. É por isso que estamos agora a trabalhar numa intervenção de emergência e numa reforma estrutural do mercado da eletricidade”, revelou Ursula von der Leyen.
Para Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe, “a subida do preço da energia foi a consequência mais notada da invasão da Ucrânia”.
Também o analista da XTB Henrique Tomé sublinha que os produtos energéticos sofreram uma escalada de preços, “aumentando ainda mais as pressões inflacionistas que na altura já se faziam sentir”, em que os aumentos do gás têm sido mais problemáticos, depois de a EDP Comercial ter anunciado que ia aumentar o preço do gás às famílias em média 30 euros mensais - mais taxas e impostos, o que corresponderá a mais cinco a sete euros de taxas e impostos - e de a Galp seguir o exemplo, não revelando, no entanto, qual será o valor desse aumento. Ontem foi a vez de a Goldenergy também avançar com um aumento médio do preço gás de seis euros para a maioria dos clientes, a partir de outubro.
Para “fintar” estes aumentos vai ser possível às famílias e aos pequenos negócios acederem ao mercado regulado desta energia. “Os preços do mercado regulado serão menos de metade dos preços dos comercializadores que anunciaram o seu aumento. Acreditamos mesmo que com esta mudança muitos consumidores passarão a ter uma fatura de gás inferior à atual”, revelou o ministro do Ambiente.
De acordo com Duarte Cordeiro, esta medida vai vigorar pelo prazo máximo de 12 meses e poderá abranger até cerca de 1,5 milhões de clientes. Outra medida diz respeito ao relançamento do programa Bilha Solidária, para o qual mobilizou financiamento do Fundo Ambiental, recordando que “há duas semanas impôs um preço máximo para a venda de garrafas de gás, medida que protege mais de dois milhões de consumidores”.
Já em relação aos possíveis aumentos da energia e após a “guerra” com a Endesa que anunciou amentos na ordem dos 40% e que acabou por recuar, depois da polémica com o Governo, o Executivo acredita que o mecanismo ibérico tem contribuído para reduzir o preço do mercado grossista [em Portugal], mediante a limitação dos preços do gás para produção de eletricidade”, tal como tem sido defendido pelo regulador, permitindo aos produtores venderem eletricidade aos comercializadores, com valores abaixo do de grandes países europeus, como a Alemanha e França.
Imobiliário
O mercado imobiliário não fica alheio a esta turbulência e afeta todos os consumidores: não só aqueles que têm casa ou que pretendem adquirir, como os que estão no arrendamento. Em julho, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou a subida das taxas de juro em 50 pontos bases - em vez dos 25 pontos inicialmente previstos - o que irá penalizar todos aqueles que têm em mãos um crédito para pagar ou os que estão prestes a fechar negócio. Foi a primeira subida dos juros em mais de uma década, para tentar travar a escalada da inflação e, tudo indica que, o banco central deverá seguir o mesmo aumento na próxima reunião agendada para setembro. Isto, numa altura, em que a Reserva Federal dos EUA (Fed) também está a dar passos largos na subida das taxas.
E para arrendar, os alarmes têm vindo a soar. A explicação é simples: os contratos estão indexados ao aumento da taxa média de inflação nos 12 meses terminados em julho. Há quem aponte para valores próximos dos 5%. Isto significa que, os senhorios têm liberdade para solicitar aos inquilinos um aumento nessa ordem de valores a partir de janeiro de 2023. Um valor significativo tendo em conta que, este ano, as rendas aumentaram apenas 0,43%.
Mercados
A negociação dos mercados tem sido caracterizada, nos últimos meses, por uma grande volatilidade. A explicação é simples: Os receios de uma recessão global afetam o sentimento dos investidores. “O primeiro semestre do ano foi um dos piores dos últimos anos, afetado pelas políticas monetárias restritivas adotadas pelos principais Bancos Centrais, em conjunto com as preocupações sobre o risco de recessão e também pela invasão russa à Ucrânia que apanhou os mercados de surpresa e provocou fortes quedas dos ativos de risco”, diz Henrique Tomé.
Mas, em contrapartida, o ouro foi um dos materiais que registou uma subida, nomeadamente por ser visto como um ativo de refúgio.
Recessão à vista?
Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades, prevê “um cenário que deixa antever, antes do final do ano, uma recessão na zona euro” e garante que as perspetivas não são animadoras. “Um agravamento da conjuntura económica dentro da zona euro irá certamente forçar uma revisão das metas económicas. O objetivo para o crescimento do PIB em particular poderá ter de ser revisto”.
João César das Neves mostra-se também cético em relação ao futuro. “É tudo ainda muito incerto, mas até pode ser melhor do que se teme. Claro que também pode ser pior». Face a este cenário, admite que as metas económicas possam ser revistas”.
O mesmo diz Henrique Tomé, analista da XTB, ao garantir que o desfecho desta situação continua a ser uma incógnita, mas lembra que “é importante notar que a Rússia também está a sofrer severas consequências económicas com a guerra. A economia russa continua isolada e o país não tem capacidade financeira para continuar a suportar os custos da invasão na Ucrânia” e, mesmo reconhecendo que é difícil avançar com previsões, afirma que a resolução do conflito poderá chegar a um acordo se voltar a existir espaço para o diálogo entre todos os países envolvidos.
Quanto às metas económicas, o analista afirma que poderão novamente ser revistas e possivelmente em baixa, apesar de “nesta fase ser difícil avançar com projeções, uma vez que existem muitas incertezas nos mercados”.
Uma opinião partilhada por Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa ao considerar que face a tudo o que está a acontecer “é provável que o Executivo seja forçado a rever em baixa o crescimento do PIB e em alta a inflação projetada para este ano”.
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i. Gestão Corrente
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Setembro 2022