CONJUNTURA
ENTRE A RETOMA E O DESENCANTO
O ano de 2025 começou com a expectativa de ser um período de estabilização. Portugal apresentava sinais encorajadores de crescimento económico, as taxas de juro desciam (e continuaram a descer) e previa-se uma retoma moderada após os choques dos últimos anos. Contudo, bastaram poucas semanas para que a nova administração norte-americana mudasse radicalmente o cenário.
O anúncio de aumentos significativos das tarifas aduaneiras por parte dos EUA, com impacto superior a 20 pontos percentuais nas tarifas efetivas, fez regressar o fantasma de uma guerra comercial. A medida foi parcialmente suspensa por 90 dias (com exceção da China), o mal-estar está instalado. As reações dos mercados foram imediatas: quedas acentuadas nas bolsas, aumento da volatilidade e alargamento dos spreads de crédito. A incerteza voltou em força, num momento em que o mundo precisava exatamente do contrário.
As motivações por detrás destas medidas são questionáveis. A imposição de tarifas não resolverá o défice externo dos EUA, enraizado num desajuste estrutural entre poupança e investimento. Nem irá trazer de volta empregos em setores onde os EUA já perderam competitividade faz tempo. Trata-se de um jogo onde todos perdem. E, ao contrário do que se esperaria da maior economia mundial, esta decisão parece ser mais um tiro no pé do que uma jogada estratégica.
As consequências para a economia global podem ser severas. Um cenário de escalada de tarifas prejudica o comércio internacional, compromete o investimento e pressiona a inflação. A resposta dos bancos centrais (Fed e BCE) demonstram prudência. Ambos admitem limitações na sua capacidade de orientação num contexto dominado pela incerteza política. Tanto nos EUA como na Europa, existe o receio de um abrandamento económico acompanhado por inflação elevada, um risco real de estagflação.
O dólar também sofreu. Desde o anúncio das tarifas, desvalorizou face às principais moedas, impulsionado pela queda das taxas reais de curto prazo. Ao mesmo tempo, o ouro reforçou o seu papel de ativo refúgio, valorizando 8% no mês. As matérias-primas mais sensíveis ao ciclo económico (petróleo, gás natural e metais industriais), registaram quedas significativas. As bolsas globais, sobretudo nos mercados desenvolvidos, registaram perdas generalizadas.
Em Portugal, a conjuntura de partida é favorável. A economia cresceu 1,9% em 2024 e beneficia de um forte carry-over para 2025. A exposição direta aos EUA é relativamente baixa (menos de 4% do PIB) e os setores mais vulneráveis já estão identificados. Além disso, o país apresenta hoje fundamentos macroeconómicos bem mais sólidos do que em crises anteriores: dívida das famílias e empresas em queda, dívida externa e pública controladas, e uma recuperação sustentada do emprego.
A globalização, tal como a conhecemos, está a dar lugar a uma nova ordem. O que funcionou nas últimas décadas (o modelo exportador alemão) poderá não ser suficiente neste novo contexto. A capacidade de adaptação determinará quem ficará do lado dos vencedores. Estamos perante um novo ponto de equilíbrio global em construção, e Portugal tem de saber posicionar-se.
Fontes: INE, BdP, BPI research, Eurostat, yahoo finance, BCE, turismo de Portugal
ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
i. Gestão Corrente
ii. Conquistas
Subscrição de projeto: AÇUCENAS 4
iii. Melhorias e Evoluções
TODOS
CONTAM
"ESG NO IMOBILIÁRIO: SUSTENTABILIDADE COMO PILAR ESTRATÉGICO DO SETOR"
A transformação demográfica global está a moldar novas formas de viver, trabalhar e ocupar os espaços urbanos. Até 2050, os Millennials e a Geração Z representarão cerca de 75% da força de trabalho mundial. Estas gerações partilham uma visão crítica em relação ao papel das empresas na sociedade: não basta gerar lucro — é essencial integrar preocupações ambientais, sociais e de governance (ESG) na estratégia de negócio. No setor imobiliário, esta exigência está a reformular prioridades e práticas.
A sustentabilidade passou a ser, para muitos investidores e promotores, a segunda maior preocupação — apenas ultrapassada pelos crescentes custos de construção e pela escassez de ativos adequados para aquisição ou desenvolvimento. Este reposicionamento é impulsionado não só por alterações de preferências dos utilizadores, mas sobretudo pela pressão regulatória e pelos riscos emergentes ligados às alterações climáticas, à desigualdade social e à governança corporativa deficiente.
Nos últimos anos, a regulação europeia tornou-se um forte catalisador da integração ESG no imobiliário. A Taxonomia da UE, o SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation) e a CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) introduziram obrigações mais rigorosas de reporte e transparência, visando alinhar o financiamento com objetivos sustentáveis. Estas medidas afetam diretamente promotores, investidores, gestoras de ativos e até ocupantes institucionais.
Entre os marcos mais relevantes encontra-se a obrigatoriedade de, a partir de 2027, todos os novos edifícios públicos e comerciais com mais de 2.000 m² serem classificados como nZEB (near Zero Energy Buildings). Paralelamente:
A transição para uma construção mais sustentável não se limita aos materiais ou à eficiência energética. A digitalização é fundamental para recolher, analisar e reportar dados que comprovem o desempenho ESG de um ativo. Soluções de IoT (Internet of Things), sistemas BMS (Building Management System) e plataformas de análise preditiva estão a tornar os smart buildings uma peça-chave no planeamento de cidades inteligentes, com capacidade de adaptação em tempo real às necessidades dos seus utilizadores e do ambiente.
No segmento dos escritórios, observa-se uma valorização crescente da saúde, conforto e bem-estar dos ocupantes. Questões como qualidade do ar, iluminação natural, zonas sociais, espaços verdes e iniciativas de saúde mental tornaram-se atributos determinantes na decisão de ocupação.
A ascensão do modelo Work From Anywhere exige uma abordagem mais integrada à flexibilidade — não apenas dos espaços, mas também do modelo laboral. Os edifícios devem acomodar diversas dinâmicas de trabalho, com infraestruturas híbridas, espaços colaborativos e soluções tecnológicas que apoiem a produtividade remota. Estes aspetos estão diretamente ligados à criação de valor social, um dos pilares menos tangíveis, mas cada vez mais relevantes da componente ESG.
Certificações ambientais e de bem-estar como LEED, BREEAM, WELL e DGNB ganham protagonismo como ferramentas de aferição objetiva do desempenho dos edifícios. A nível global, iniciativas como o Net Zero Carbon Buildings Commitment, promovido pelo World Green Building Council, estabelecem metas ambiciosas para a neutralidade carbónica do parque edificado até 2050.
Estas certificações já não são meros elementos de marketing. São frequentemente associadas a valorização de ativos, redução de custos operacionais e aumento da liquidez no mercado de arrendamento e transação, sobretudo entre ocupantes corporativos que desejam reduzir os seus próprios riscos ESG.
Os edifícios têm um impacto significativo no ambiente, desde a fase de extração de matérias-primas, passando pela construção, operação e demolição. O conceito de energia incorporada (embodied energy) — associada à produção dos materiais e construção — é tão relevante quanto a energia operacional utilizada para climatização e ventilação.
A mitigação destes impactos exige uma abordagem holística, considerando análise de ciclo de vida (LCA), reutilização de materiais, desenho passivo, energias renováveis e sistemas de monitorização contínua. A gestão responsável ao longo de todo o ciclo de vida do ativo torna-se, assim, não apenas uma boa prática, mas uma exigência do mercado e da regulação.
Ignorar os princípios ESG representa um risco real e mensurável. Os riscos de transição incluem custos acrescidos associados a ativos obsoletos ou não conformes com a regulamentação. Os riscos físicos, como eventos climáticos extremos, afetam diretamente o valor e a resiliência de ativos mal preparados. Já os riscos reputacionais podem comprometer a captação de financiamento, a atração de talento e a confiança dos stakeholders.
Integrar ESG no imobiliário é, acima de tudo, uma questão de visão estratégica. Os players que o fazem de forma proativa estão não só a reduzir riscos, mas a gerar valor tangível — através de ativos mais resilientes, mais eficientes, e alinhados com as expetativas de um mercado cada vez mais exigente e consciente.
Nuno Santos, Asset Manager
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Maio 2025